Sou enfermeira há 2 anos, tenho muito a aprender e também já aprendi muito. O primeiro grande choque que senti foi no meu primeiro trabalho, o peso da responsabilidade abala qualquer um mas acaba por pesar mais quando se lida diretamente com saúde das pessoas. Antes, tinha uma tutora que me supervisionava e no fim do dia era ela que assumia todos os cuidados ao utente. Agora não, os meus cuidados vão assinados com o meu nome e são da minha inteira responsabilidade.
Ser enfermeira em Portugal não é fácil. Somos uma classe mal paga e muito pouco valorizada. Quando decidi escolher enfermagem não falei com ninguém sobre este assunto e, confesso, que com 18 anos não era algo que me surgia na mente. Após 4 anos de árduo estudo percebi que enfermagem, para além de uma arte, é uma ciência exigente e complexa. Ser enfermeira é estar lá sempre, do início ao fim da vida.
Prepararam-me para praticamente qualquer cenário na faculdade, estagiei na comunidade, numa medicina, cirurgia, cuidados continuados, psiquiatria, obstetrícia, cuidados intensivos, pediatria,... Mas, ao contrário do que muitos pensam, não me prepararam para o que estamos a viver neste momento. Não sabia que após 1 ano de exercício profissional ia aparecer um vírus no mundo com uma taxa de contágio brutal. Não sabia que ia ter de trabalhar com aqueles equipamentos de proteção individual que eu via nas fotografias de missões humanitária em África devido ao Ébola. Não sabia que o mundo ia passar por uma epidemia assim e que nós não iríamos estar preparados.
Gostava que, durante 10 minutos, tentassem imaginar o seguinte cenário: Turno Manhã + Tarde (12h30min). São 7h45 e hoje estou na área COVID-19, começo a equipar-me.
Desinfetar as mãos
1- Colocar a touca
2- Colocar o cobre botas
1- Colocar a touca
2- Colocar o cobre botas
Desinfetar as mãos
3- Colocar máscara P2
3- Colocar máscara P2
Desinfetar as mãos
4- Vestir o fato
4- Vestir o fato
Desinfetar as mãos
5- Colocar 1º par de luvas
5- Colocar 1º par de luvas
6- Colocar 2º par de luvas
7- Coloca viseira
No fim deste processo já são 8h, entro na área COVID-19.
7- Coloca viseira
No fim deste processo já são 8h, entro na área COVID-19.
Trabalho horas seguidas com aquelas camadas infernais todas. Utentes a chegar. É necessário puncionar, administrar medicação, monitorizar, posicionar, transferir, ... Temos de fazer procedimentos que, muitas vezes, já sem luvas (ou com apenas 1 par) são complicados, então imaginem com 2 pares de luvas.
Sinto o meu corpo a sobreaquecer, o suor a cair em pingas, sinto a farda a ficar encharcada e colada ao corpo. Os meus óculos começam a embaciar devido ao calor emanado. Olho para o lado e percebo que não sou a única. A minha colega está com o rosto vermelho, consigo ver as pingas de suor a escorrer-lhe pelo rosto.
Estamos todos a fazer o melhor que podemos com os recursos que temos e, mesmo assim, não somos valorizados. Não temos progressão nas carreiras, temos contratos precários, somos mal pagos, ...
E apesar disto tudo, continuamos. Somos a linha da frente do sistema nacional de saúde. "Estamos doridos, cansados e até traumatizados. Já não somos os mesmos, mas vamos à luta com os mesmos".
4 comentários
Tenho o maior respeito pelo quanto dão o corpo às balas. E sei que um agradecimento nunca será suficiente
ResponderEliminarLamento imenso por ti e todos os que estão como tu, espero que melhores dias virão e que a saúde, e não só, em Portugal seja bem melhor no futuro, seja em termos de condições para os pacientes como para os profissionais que lá trabalham.
ResponderEliminarForça*
Oh querida, de facto mereciam ser tão mais valorizados. Boa sorte, força e coragem <3
ResponderEliminarMuito obrigada pelo teu trabalho, Inês! Do fundo do coração <3
ResponderEliminarKeep hangin' in there!
Não posso fazer muito, mas no que precisares, conta comigo*