Dia 1 de agosto de 2018. 30 graus no Porto.
Hoje acordei cedo. Estar desempregada não significa estar de férias. Há todo um mundo novo de burocracias que uma jovem adulta de 22 anos não conhecia. Acordo, às 9h, mal disposta com o calor que está e penso no dia cansativo que vou ter. Vou passar o dia todo a entregar currículos e, no final do dia, ainda tenho um café combinado com a minha melhor amiga que não vejo desde de março.
"Apesar do calor vai ser um bom dia, não vou ficar em casa a pensar que ninguém me vai contratar e que vou ter de emigrar para conseguir um emprego." - penso eu.
Depois de tomar um belo banho refrescante, optei por levar um vestido que tinha em casa de manga curta e pelos joelhos. Nada demasiado informal (porque tinha de entregar currículos e estar pronta para uma entrevista de emprego) com um toque clássico e fresco (só assim iria conseguir realizar estar nova e árdua tarefa).
Saí de casa por volta das 9h30 e comecei o itinerário que tinha feito no dia anterior. Num dos autocarros que apanhei decidi sentar-me num dos últimos bancos. Como ia sair na última paragem, não queria estar a ocupar um lugar de fácil mobilidade para outra pessoa. Durante metade do percurso ia a ouvir música e a levar com o ar que entrava no autocarro por uma das janelas de trás.
O autocarro pára. Olho para a paragem e está uma fila de pessoas à espera para entrar. Conforme vão entrando vão ocupando os lugares da frente. O último a entrar é um homem bastante alto e com um algum forte físico. Olhou em volta e sentou-se ao meu lado. "De todos os lugares disponíveis do autocarro ele decidiu sentar-se logo aqui?" - pensei eu. Imediatamente abafei este pensamento, não gosto que o meu lado antissocial se apodere de mim.
De repente, coloca a mão no topo do acento que se encontrava à sua frente. Passado uns segundos vai aproximando a mão do acento que estava à minha frente. Não parava de olhar para mim. Senti-me encurralada, estava literalmente encostada ao vidro do autocarro com um homem ao meu lado a invadir o meu espaço pessoal. Bufei e passado uma paragem decidi levantar-me, ele não se desviou. Tentei sair do lugar, mas como ele não se estava a distanciar peguei na minha mochila (que estava bastante cheia) e utilizei-a para criar um espaço entre mim e ele. Saí do lugar, pressionei o botão do STOP e saí imediatamente do autocarro. Estava chocada e muito chateada. O autocarro parou no vermelho e, por isso, ultrapassei-o quando ia no passeio em direção à próxima paragem. O semáforo muda para verde e o autocarro avança. Eu vou na minha vida a andar no passeio como outras dezenas de pessoas até que resolvi olhar para o autocarro e reparo que o homem continuava a olhar para mim, mesmo quando o autocarro me ultrapassou ele decidiu continuar e virou-se todo para olhar pelo vidro traseiro. E eu, indignada e chateada voltei a sentir-me como se tivesse sentada ao lado dele a ser encurralada.
Tentei esquecer este triste episódio, pois ainda tinha um longo dia pela frente. Cheguei à paragem e esperei por outro autocarro. Passado 45 minutos entrei noutro autocarro que só tinha uma senhora sentada num dos lugares da frente. Não fui capaz de me voltar a sentar. Fui o percurso todo de pé num sítio estratégico para que não tornasse a ser encurralada. Inconscientemente fiz isto em todos os autocarros que apanhei.
O dia foi passando e, finalmente, depois de muito caminhar chegou a hora de voltar a casa.
20h. A rua estava cheia com pessoas a voltar para as suas casas e com outras a irem jantar. O sol ainda não se tinha posto. Estava à espera que o sinal para os peões ficasse verde e um senhor que conduzia tranquilamente o seu carro achou que seria aceitável, parar no meio da rua para me olhar da cabeça aos pés e comentar. Ignorei. O homem continuou a rir-se mas, como estava a formar fila, resolveu arrancar com o carro. O sinal ficou verde. 100 metros mais à frente, devido ao calor, limpei o suor da cara com a minha mão direita. À minha esquerda apareceu um senhor que achou que estaria interessada em saber a sua opinião sobre o calor que estava e como o meu vestido lhe agradava. Ignorei.
Cheguei a casa e deitei-me na minha cama. “Que merda de dia! (…) Devia ter respondido àqueles homens.” – pensei eu.
Hoje sei que não devia sequer estar a pensar que devia ter respondido aos comentários e atitudes de homens com idade para serem meus avôs ou pais. Aquilo simplesmente não devia ter acontecido. Ponto. Não pode ser aceitável este tipo de comportamentos. Obrigada mas eu não quero um piropo, um olhar de alto a baixo ou um assobio de um homem aleatório na rua. Sei que há pessoas que, infelizmente, passaram por muito pior do que este pedaço que vos contei. Isto foi um relato de 1 dia, infelizmente, este tipo de situações (ou bem piores) continuam a repetir-se ao longo dos dias. O assédio acontece todos os dias e temos de começar a falar sobre isto.
(Inspirada pelos recentes acontecimentos, pelo vídeo que a Rita Serrano colocou no youtube e as centenas de comentários de pessoas que passaram pelo mesmo.)
11 comentários
"Aquilo simplesmente não devia ter acontecido", o problema reside, precisamente, aqui. Porque comportamentos destes não são toleráveis, nem aceitáveis. É uma perfeita violação do nosso espaço pessoal e da nossa integridade.
ResponderEliminarLamento que isto tenha acontecido :/
O que mais me choca é que este tipo de comportamentos vieram de pessoas com idade para serem meus avôs ou pais! Só gostava que os homens que têm este tipo de atitudes pensassem antes: "E se fosse a minha irmã? A minha filha? A minha neta?". Enquanto a mentalidade das pessoas não se alterar vamos continuar assim...
EliminarObrigada pelas palavras <3
Isso serve para nos destabilizar. Mesmo.
ResponderEliminarAtitudes dessas ou piores conseguem arruinar um dia, ou, até em certos casos uma vida...
Não é justo. De todo.
Infelizmente é verdade, só não entendo o motivo nem a razão de quem tem estas atitudes. Na verdade acho que nunca vou entender...
Eliminarr: Sou suspeita, mas sabe mesmo :)
ResponderEliminarÉ uma maneira de irmos variando e de conseguirmos optar por refeições mais leves, até porque, com o calor, a vontade de comer acaba por ser menor
Precisamente! Pessoas que já tinham idade para ter juízo e para perceberem as consequências das suas ações. Quando sei de casos destes, é o que penso logo: como é que esses homens reagiriam se fosse com uma irmã/filha/neta deles? Achariam aceitável? É que se a resposta for positiva, a situação fica ainda mais grave.
Infelizmente :/
Infelizmente é como dizes, este tipo de coisas continua a acontecer com mais frequência do que seria aceitável, o que é de lamentar. No entanto, acho que responder nem sempre ajuda a melhorar a situação, acho que fizeste bem em ignorar.
ResponderEliminarSim concordo, conheço pessoas que responderam e que isso não ajudou nada a situação :/
EliminarPois parece que há dias que nem se deve sair á rua, há sempre alguém a mandar piropos desnecessários. Basta sair de saia ou shorts. Tristeza.
ResponderEliminarBeijinhos :)
Mesmo! Não devíamos ter de pensar assim, devíamos conseguir sair com a roupa que nos apetecer sem ter de pensar que alguém nos pode mandar um piropo ou pior :(
EliminarOh querida, como te percebo. Aliás fiz um post, baseado neste tema, recentemente no blogue. Sobre as peças que vou encontrando no meu trabalho de verão e o quão enojada fico (se quiseres ler: http://shimbalaiiee.blogspot.com/2018/08/e-ao-trabalhar-num-cafe-noite-que-me.html).
ResponderEliminarIsto não devia acontecer, não tem de acontecer. Merecemos respeito, merecemos ir na rua descansadas da vida, com um vestido, com uma saia, whatever, não nos sentirmos observadas e comidas com os olhos, simples. Mas, infelizmente, isto continua a acontecer.
Já li o teu post e fiquei muito triste com aquilo que escreveste. A nossa sociedade devia evoluir, mas, infelizmente, alguns homens não entendem isso e preferem ter este tipo de atitudes!
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